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“Anistiaram os desmatadores! Acabaram com a reserva legal!” Eram esses os gritos de ambientalistas ao ver sancionada a Lei Nº 12.651/2012, modificada pela Lei nº 12.727/2012. Especialmente para as pequenas propriedades, a nova Lei teria acabado com a exigência de se recuperar a reserva legal. Só que não.
Eu tenho argumentado que a nova Lei não perdoou nem anistiou quem desmatou a reserva legal, mesmo dos pequenos produtores. Tem me incomodado um certo conformismo do setor ambiental em relação à suposta perda da proteção da reserva legal.
“A intenção não era essa, Ronaldo” – me dizem. “O que os caras queriam mesmo era abrir mão da reserva legal para os pequenos produtores”.
Claro que queriam fazer isso, mas a questão é: conseguiram? Conseguiram mesmo escrever uma lei que isenta de recuperação da reserva legal as pequenas propriedades?
Eu digo que não. A não ser que os legisladores tenham, ao escrever um artigo (que supostamente abriria mão da recuperação da reserva legal da pequena propriedade), deixado sem significado outros dois artigos.
O artigo que anularia os outros artigos da própria lei é o art. 67:
Art. 67. Nos imóveis rurais que detinham, em 22 de julho de 2008, área de até 4 (quatro) módulos fiscais e que possuam remanescente de vegetação nativa em percentuais inferiores ao previsto no art. 12, a Reserva Legal será constituída com a área ocupada com a vegetação nativa existente em 22 de julho de 2008, vedadas novas conversões para uso alternativo do solo.
Com base neste artigo, tenho ouvido ambientalistas afirmarem que as pequenas propriedades não precisam mais recuperar suas reservas legais. Eles entendem que a reserva legal passa a ser qualquer vegetação nativa na propriedade e, se não havia nenhuma vegetação nativa em 22/7/2008, a propriedade fica sem a obrigação de reserva legal. Se ambientalistas entendem isso, imagine os ruralistas...
Os artigos da própria lei anulados por esta interpretação do art. 67 são estes:
Art. 12. Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel, excetuados os casos previstos no art. 68 desta Lei:
[Note que as únicas exceções à obrigação de todo imóvel rural manter a RL estão previstas no art. 68, que dizem respeito à época em que foi feito o desmatamento]
(...)
Art. 54. Para cumprimento da manutenção da área de reserva legal nos imóveis a que se refere o inciso V do art. 3o, poderão ser computados os plantios de árvores frutíferas, ornamentais ou industriais, compostos por espécies exóticas, cultivadas em sistema intercalar ou em consórcio com espécies nativas da região em sistemas agroflorestais.
Este é o artigo mais importante, já que permite ao pequeno proprietário (imóveis a que se refere o inciso V do art. 3o) computar os “plantios de árvores frutíferas, ornamentais ou industriais, compostos por espécies exóticas, cultivadas em sistema intercalar ou em consórcio com espécies nativas da região em sistemas agroflorestais”, que não são “remanescente de vegetação nativa”, como previsto no art. 67.
Se os legisladores queriam flexibilizar para os pequenos proprietários, deveriam ter escolhido a forma de fazê-lo: por meio da possibilidade do plantio de exóticas ou por meio da não exigência de nenhuma outra reserva legal a não ser o remanescente da vegetação nativa. Uma forma exclui a outra.
Por isso, o art. 67 não pode ter liberado as pequenas propriedades da recuperação da reserva legal. Vamos ler de novo?
Art. 67. Nos imóveis rurais que detinham, em 22 de julho de 2008, área de até 4 (quatro) módulos fiscais e que possuam remanescente de vegetação nativa em percentuais inferiores ao previsto no art. 12, a Reserva Legal será constituída com a área ocupada com a vegetação nativa existente em 22 de julho de 2008, vedadas novas conversões para uso alternativo do solo.
A única leitura coerente da Lei é que a RL desses imóveis será constituída com a vegetação nativa, e não somente com a vegetação nativa. Isto é, a pequena propriedade que tiver “plantios de árvores frutíferas, ornamentais ou industriais, compostos por espécies exóticas, cultivadas em sistema intercalar ou em consórcio com espécies nativas da região em sistemas agroflorestais” em área maior que o requerido pela Lei, não poderá desmatar a vegetação nativa remanescente. E para deixar isso mais claro, a Lei ainda diz: “vedadas novas conversões para uso alternativo do solo.”
Ao se entender que a Lei não dispensou os pequenos proprietários de recuperarem a RL em suas terras, todos os pequenos proprietários (aqueles que desmataram e os que não desmataram) serão tratados de forma mais igual, não recompensando quem desmatou de forma ilegal.
Então, a nova Lei só poderia ser interpretada assim: mantendo a proteção ao meio ambiente e não liberando nenhuma propriedade de recuperar a RL.
“Ah, mas os pobres pequenos produtores não podem arcar com os custos de recuperar a RL!” - vão gritar de lá.
Mas nem com “plantios de árvores frutíferas, ornamentais ou industriais, compostos por espécies exóticas, cultivadas em sistema intercalar ou em consórcio com espécies nativas da região em sistemas agroflorestais”? Quem está na Mata Atlântica, vamos dizer com 10 ha, não é capaz de ter 2 ha de árvores de qualquer tipo, podendo ainda se sobrepor com áreas de preservação permanente (APPs)? Há inúmeras combinações lucrativas e favoráveis à subsistência dos pequenos produtores e que também produzem serviços ecossistêmicos para a sociedade.
Por isso, eu não desisto da reserva legal para todos!
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